quinta-feira, 4 de julho de 2013

Sobre Marcelo e Clarice: cena 2ª


Clarice, uma jovem aparentemente decidida, mas igualmente inconstante. Desiludida, visivelmente desgastada e, ainda assim, extraordinariamente deslumbrante. Simplesmente Clarice.
No momento, tudo que faz é lamentar o rumo que sua vida havia tomado. Quem a examina com cuidado, consegue notar a vermelhidão de seus olhos, que, num rosto quase tão pequeno quanto a sua vontade de existir, ganham um destaque assustador. Os cabelos compridos e acobreados contrastam com uma aparência frágil, beirando a debilidade.
Clarice traça movimentos lentos, e, com muita dificuldade, consegue se erguer da cama. Arrastando-se pelo quarto, chega até a porta. Uma voz rouca, cansada e completamente fragilizada ecoa pelo corredor, quase como em um filme de suspense, onde a personagem se encontra em uma situação traumatizante.
- Mãe, você pegou o meu cigarro?
- Não, Clarice. Procura direito que deve estar aí no seu quarto.
Clarice não se lembrava, mas tinha fumado todo o maço durante a madrugada, enquanto se martirizava por ter, novamente, entrado em conflito com Marcelo. Não era necessário ser um gênio para perceber que os dois estavam à beira da colisão. O choque ainda nem havia acontecido, e o corpo de Clarice já havia sentido o baque, num claro prenúncio de que, àquela altura do campeonato, o impacto poderia ser fatal.
- O que você quer aí, Clarice?
- Tô procurando a vodka. Você já tomou tudo de novo?
- Clarice, eu sou rica. RICA! Eu bebo whisky, não vodka. Sua vodka tá ali do outro lado.
Em um movimento brusco, Clarice pega a garrafa de vodka e sobe as escadas em direção ao seu quarto, retraída. Uma furiosa troca de olhares abreviou o que poderia ter se tornado outra grande discussão. Clarice já não se importava com os comentários da mãe. Ela, obviamente, tinha coisas mais importantes para se preocupar. Bem mais importantes, aliás.

23h33 
Garrafa-cheia

"Marcelo, eu acho que te odeio. 

Quem é que foi que te deu a liberdade de entrar na minha cabeça e bagunçar tudo aquilo que existia dentro de mim? 

Certamente não fui eu.

Revirei todas as gavetas. Tudo que achei foram cartas e mais cartas, que eu já não sei se foram escritas para você. Vasculhei todo o meu armário, tentando, em vão, encontrar algo que pudesse funcionar como um estímulo motivacional.

Desisti."

00h06
Garrafa-meio-cheia

"Marcelo, eu provavelmente te odeio.

Às vezes fico pensando como você reagiria caso descobrisse que te escrevo com tanta frequência. Se, porventura, você entrasse no meu quarto e encontrasse todos esses pedaços de mim, que deixei espalhados pelo chão para que você não se perdesse. Ou melhor, para que você se encontrasse. 

Antes era tudo muito Clarice.

Agora é tudo meio Marcelo."

00h14
Garrafa-meio-vazia

"Marcelo, eu realmente te odeio.

Odeio seu tom sarcástico.
Odeio seu jeito debochado.
Odeio esse seu gosto por história,
e o meu gosto pela nossa história.
Odeio esse pensamento que vem,
quando vejo o piano ali na sala.
Eu te odeio de muitas formas.
Nenhuma delas é suficiente."

00h41
Garrafa-vazia

"Ahhhhh Marcelo, como eu queria te odiar."

Clarice, uma jovem desvanecida sobre a cama de cetim. Bêbada, visivelmente desgastada e, ainda assim, extraordinariamente deslumbrante. Simplesmente Clarice.

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