quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Sobre o encerramento do blog

O blog acaba aqui, amigos. Depois de longos dois anos e 87 postagens, o blog chega ao fim. Já vinha matutando essa ideia de encerrá-lo há um tempo, mas isso só veio a se oficializar agora, no mês em que o blog completaria dois anos de existência.

Vários motivos me levaram a encerrar o blog. O principal deles é uma coisa chamada "fase". Na vida - por mais clichê que isso soe -, tudo são fases. E, por dois anos, era a fase de postar aqui. Agora essa fase já passou. Nas últimas semanas, inclusive, eu vinha me sentindo obrigado a postar no blog. Chegava a quinta-feira e eu pensava "putz, preciso de um texto pra postar no blog". Os últimos textos, aliás, nem foram postados em uma quinta-feira. Já não fazia mais sentido. Não era mais uma coisa natural. E eu já não me sinto mais tão confortável em partilhar minhas decepções amorosas com vocês.

Aliás, essa foi a razão que me fez dar início a uma série de postagens sobre amor. Nunca entendi direito o que significa o tal do amor. E não entendo até hoje. Em todos os textos até aqui, divaguei em busca de algo que pudesse - mesmo que minimamente - definir esse sentimento vezes-tão-amplo-vezes-tão-ínfimo. Infelizmente, não consegui. Mas vocês se identificaram com minhas ideias, e eu fico feliz com isso.

(Insira aqui uma legenda legal)

Você não têm ideia de como é bizarro escrever sobre zilhões de decepções amorosas e ver que as mais diferentes pessoas se identificam com aquilo que você escreve. Ou o quão absurdo é o fato de que aquilo que você escreve causa os mais diferentes tipos de sentimentos nas pessoas. Demorei muito para me acostumar com isso. Mas a resposta aos textos do blog sempre foram muito positivas, e isso me fez continuar. Até agora.

Fiz questão de que a última postagem dessa humilde página fosse um Top 10 de textos feitos ao longo desses dois anos de blog. Nessa lista, o número 1 é o conto sobre Marcelo e Clarice. O conto teve uma repercussão absurda, algo que me surpreendeu. Todos já se sentiram envolvidos (ou ainda vão se sentir) nessa história de duas pessoas diferentemente complementares. É a lei da vida. É o preceito do amor. Talvez por isso tenha rolado tamanha identificação.

A boa notícia é que grande parte dos textos desse blog estará presente em "Alice", o livro que eu venho escrevendo há algum tempo, e que deve chegar às mãos de vocês no ano que vem - caso a vida e o tempo decidam cooperar com este que vos escreve. "Alice" é outro dos motivos que me levam a encerrar o blog, já que pretendo dar um pouco de atenção à continuação do livro.

Minha hiperatividade - somada às minhas múltiplas personalidades - não vai permitir que eu fique muito tempo sem escrever. Portanto, logo menos vou aparecer com algum outro projeto, algo que seja mais condizente com a fase atual da minha vida.

É isso. Agradeço a todos que gastaram preciosos minutos de suas vidas lendo sobre as decepções amorosas desse pseudo-escritor-com-problemas-de-oratória. Vocês provavelmente sabem mais da minha vida do que eu mesmo.

Acreditem, não é preciso muito.

Acervo estrábico: a biblioteca da memória

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Sobre as postagens mais legais

Oi. Então, as pessoas vivem me perguntando quais são os textos que eu mais gosto e coisas do tipo. Por isso, decidi fazer um "top 10" de textos aqui do blog, e explicar os motivos pelos quais desenvolvi certo apreço por determinadas postagens. Vamos lá:

9 - insônia. (9/10/2012)
Alguém tinha postado no Facebook um vídeo do Nando Reis cantando All Star, e eu fiquei com os versos na cabeça. Tem alguma coisa de Los Hermanos ali também. Esse é um dos poucos textos do blog que foi escrito diretamente a alguém, e é sobre uma mina que tá até hoje na minha vida (coisa rara, aliás). Acho que, se num futuro prévio, eu chegar a me relacionar com alguém de novo, vai ser com essa mina. Ela merece estar aqui.

Eu sempre gostei de amores que não dão certo. É legal escrever sobre esse tipo de amor. Bem mais legal do que escrever aqueles textos mimimi de jovem apaixonado. Nos meus textos mais antigos, rolava mais essa coisa de depressão/obscuridade da relação. Com o tempo, essa característica foi sumindo. Mas aí eu tava numa relação que parecia me puxar para trás, e eu não me sentia bem nessa situação - mas não fazia nada para sair dela. Por isso, o melhor a fazer era escrever. E isso trouxe de volta um desses textinhos de amor triste que eram feitos com frequência. Gosto desse texto.

7 - silêncio. (28/9/2012)
É o texto pessoal mais antigo dessa lista. Também faz parte da "fase 2" do blog, antes do padrão começando com "sobre". Esse texto tem uma história engraçada. Eu tava no 2º semestre da faculdade, e era apaixonado por uma mina de lá. Mas era paixão platônica. Nunca falei com a mina. Um dia descobri que a banda preferida dela era Smiths, dai né... Enfim, a mina saiu da faculdade e eu nunca cheguei a falar com ela. Só a observava, de longe, criando diálogos na minha cabeça. Esses diálogos nunca viraram realidade, e por isso o texto se chama "silêncio".

Esse é recente. E é bem diferente dos outros textos do blog, justamente por ser um conto desses mais compridos. Eu tava meio enjoado das minhas postagens clichês, e queria dar uma diversificada. Tempos antes disso, um rapaz no Twitter tinha me mandado um conto do Bukowski, e eu fiquei com aquilo na cabeça. Como nunca tinha feito um conto desses, decidi me arriscar. E fiz uma versão "light" desse conto do Bukowski, voltado pro meu tipo de escrita. Gostei bastante do resultado.

Primeiro texto da fase atual do blog, começando com o "sobre". Cara, esse texto tá em quinto, mas poderia estar em primeiro tranquilamente, devido ao que ele representa. Em dezembro de 2012, eu fui apresentado a Francis Scott Fitzgerald. E putz... depois disso, tudo mudou. Finalmente me "descobri" como escritor. A escrita do Fitzgerald é fantástica, e me inspirou de diversos modos. Hoje em dia, é tudo meio Fitzgerald. Por isso dou tanta atenção à descrição. Enfim, eu tinha acabado de ler "This side of paradise", primeiro romance do Fitzgerald, e fiquei meio surtado com tudo aquilo. Era demais pra mim.

4 - mr confusion. (23/7/2012) / Infinito - O manifesto (19/11/2012)
Decidi juntar esses dois pois ambos foram escritos para o Lucas (Fresno). Eu sempre fui muito fã de Fresno, e em 2012 eu tava meio fascinado pelo Lucas. Lembro que no primeiro texto eu também tava numa fase clichê, e queria diversificar. Daí resolvi escrever como se estivesse vendo o mundo através dos olhos do Lucas. Busquei muita coisa no fotolog dele, com a intenção de parecer que aquele era um texto escrito por ele mesmo. No segundo, a mesma coisa. Mas foi voltado pro lançamento do "Infinito" (disco da Fresno). Tenho um carinho muito grande por esses textos, porque todos os meus amigos fãs de Fresno pegaram a ideia e se identificaram com aquilo. Também fico feliz pelo fato de o Lucas ter lido os dois textos e elogiado. Rendeu muito mais do que esperado.

Um dos últimos textos do blog. E, sobre esse, não há segredo. Eu não ouvia Cícero há um tempo, e voltei a ouvir, assim, do nada. Logo que as músicas começaram, eu pensei "cara, eu preciso fazer um texto sobre isso". Foi isso. Fiquei mais ou menos uma semana pensando em como faria esse texto, e, no fim, deu muito mais certo do que eu imaginava.

Ainda sobre aquela história de "achar um estilo de escrita". Nesses textos, eu encontrei. (Inclusive, fiz vários outros textos nesse mesmo "molde", mas esses dois são os que mais gosto.) A ideia era simples: fazer dois textos, de modo a expor os contrapontos do amor. São antônimos. Antíteses. Ressalta aquela famigerada bipolaridade que ronda os nossos instintos amorosos. Sempre que houver amor, vai haver antítese. Minha escrita é sobre isso.

1 - Sobre Marcelo e Clarice: o conto (começado no dia 27/6/2013)
Ahhhh, Clarice ♥ Sabe aquela coisa do escritor desenvolver carinho pelo personagem? Então, isso acontece por aqui também. Posso dizer, sem medo de errar, que esse conto é a "obra-prima" desde humilde blog. Gostaria de tê-lo evoluído mais, mas tinha medo de estragá-lo. Então encurtei um pouco as coisas. Ainda assim, é o meu preferido. É a história de duas pessoas diferentemente complementares, que se precisam para coexistirem em paz. Mas nem sempre dá pra coexistir em paz. A Clarice sabe bem disso.

¨¨
Bônus - Primeira postagem do blog: 181-274 (27/9/2011)
Meu deus, que texto ruim. Eu já tinha uns textinhos escritos, e decidi dar início ao blog. Já faz dois anos, cara. Muita coisa mudou desde então. Com exceção do fato de eu continuar falando sobre amor sem o menor conhecimento de causa.

ps: fiz toda essa lista ouvindo Arctic Monkeys. milagres acontecem. definitivamente.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Sobre querer

- Se você fosse um livro do Nietzsche, eu te quereria.

Eu quero.

Eu quero sentir.

Eu quero voltar a sentir.

Eu quero voltar a sentir aquele formigamento estranho nas pernas nos nossos momentos a dois.

Eu quero sentir aquele famigerado frio na barriga antes das nossas repentinas saídas.

Eu quero me sentir inseguro. Eu quero te fazer sentir insegura.

Eu quero as incertezas. Não quero as tuas incertezas.

Eu quero cantar aquele refrão que me faz lembrar de você. (Não queria que ele me fizesse lembrar de você.)

Eu quero os sussurros. Não quero o silêncio.

Eu quero sua melodia desarmoniosa. Não quero os acordes em ré maior.

Eu quero entender o que é o tal do amor.

Eu quero que você me ensine o que é o tal do amor. (Com aquelas aulas práticas que só você sabe aplicar.)

Eu quero acordar, sair correndo pela casa, abrir a porta e gritar para o mundo que quero você.

Mas a vida não é só querer.

Ainda assim, eu te quero.

Mesmo que seja sem querer.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Sobre Marcelo e Clarice: o conto

(Foto por Luiza Veras)

Cena 1ª
A história a seguir é um relato sobre o amor passageiro que atordoou completamente a vida de Marcelo e Clarice. Se possível, lhes peço para que leiam em voz baixa. Clarice está com dor de cabeça.

O telefone toca. Clarice move-se vagarosamente para atendê-lo.
- Marcelo? São 3h30 da manhã. O que aconteceu?
- Precisava ouvir tua voz. Tô mal, Clarice. 

Marcelo acorda todos os dias às 5h30 da manhã para ir à escola. Quer dizer, 5h30 é o horário em que o despertador dele toca. Marcelo já está acordado bem antes desse horário. Tem sido difícil dormir com tudo o que anda acontecendo.
Clarice não tem um horário certo para acordar. Muitas vezes o relógio marca 15h e ela ainda está na cama, procurando motivos para se levantar (ela raramente encontra). A vida dela está bagunçada. Ela está no último ano de artes cênicas, mas já não está tão animada como no começo do curso. Além disso, a mãe dela está desempregada e voltou a ter problemas com bebida (algo que, de certo modo, também acaba interferindo na vida de Clarice).

Marcelo está no último ano do colegial. Já estamos em junho, e ele ainda não sabe o que pretende cursar na faculdade. Marcelo gosta da área de humanas. História o fascina, mas não como antes. Recentemente, ele tomou gosto por política. Passa horas na biblioteca do colégio revirando livros sobre Geopolítica. Filosofia e Sociologia também estão entre suas matérias favoritas.
Clarice nunca se interessou pelos estudos. Cursa teatro desde pequena. Também fez cursos de inglês e alemão, mas não terminou nenhum dos dois. É no palco que ela se encontra (ou, pelo menos, se encontrava). Tem sido difícil se concentrar durante as peças. Ultimamente, Clarice nem tem frequentado as aulas.

Marcelo se interessa por literatura estrangeira, filmes e seriados. Ele vinha lendo "O retrato de Dorian Gray", obra de Oscar Wilde. No entanto, aparentemente sem motivo, optou por abandonar a leitura, já que o livro passou os dois últimos dias jogado em cima de sua cama, estranhamente aberto na página 84. Quando não está com a cabeça enfiada em um livro, se mete a assistir filmes dos mais diversos tipos, especialmente os de ficção. O download de inúmeros seriados comprometeu a memória do notebook de Marcelo. Talvez seja necessário fazer um backup. E talvez não seja só o notebook que precise de um backup...
Clarice sequer lembra do último livro que leu. Tampouco tem assistido filmes ou seriados, algo que ela costumava fazer com frequência. Televisão? Muito menos. Quando não está dormindo, ela se tranca na internet. O histórico de seu computador indica uma bizarra obsessão por serial killers e armas. Clarice tem até um estilete, já desgastado, que ela usa para desferir cortes contra o próprio pulso. O ato de se cortar com estilete não é uma novidade para Clarice, mas se tornou muito mais frequente com o passar do tempo.

Marcelo costumava ser um jovem muito fechado. A música o ajudou a melhorar nesse aspecto. Ele fez aulas de música e hoje toca piano, violão e gaita. Se tornou mais comunicativo, mas às vezes só consegue se expressar através da música.
Clarice não toca nenhum instrumento. Ela até tentou aprender a tocar piano quando era menor, mas desistiu rapidamente. Clarice nunca foi muito comunicativa, e tem crises de depressão. O teatro sempre foi sua zona de conforto, mas parece que isso foi perdendo efeito ao longo dos anos. Ela também pratica o "backup": sempre quando sua memória está beirando a lotação, ela pega o seu diário e passa algumas dessas informações para lá. Esse backup resolve. Momentaneamente.

Os pais de Marcelo morreram em um acidente de carro quando ele ainda era pequeno; com isso, ele foi criado por seus avós maternos. O avô dele faleceu há alguns anos, e hoje a avó é tudo que lhe resta. Marcelo tem uma afeição enorme por sua avó e faz de tudo para vê-la feliz. A avó também faz de tudo por ele, mas não consegue vê-lo feliz pois perdeu a visão em um trágico incidente com gás de cozinha. Mas ela sente a felicidade do neto. Ou melhor, sentia. Marcelo não anda feliz.
Clarice não sabe, mas foi fruto de um estupro. Sua mãe pensou em abortá-la por diversas vezes, mas não conseguiu. Isso explica a falta de carinho da mãe para com a filha. Isso também explica o fato de a mãe de Clarice ter se refugiado no alcoolismo. Hoje, ela é uma mulher de meia idade que passa a maior parte do tempo na sala de casa, bêbada, tentando, em vão, recuperar o amor da filha. Pena que elas só tenham uma a outra.

Marcelo está louco para completar 18 anos e tirar carteira de motorista. Desde que o avô faleceu, o carro continua na garagem, intacto, sendo observado diariamente por Marcelo, que não vê a hora de dirigi-lo. 
Clarice tem carteira de motorista há três anos, mas nunca dirigiu um carro. Ela sequer tem interesse em dirigir; só tirou a carta devido à pressão imposta por sua mãe, que prontamente lhe deu um carro de presente. O carro ainda está lá, imóvel, empoeirado pelo tempo.

Sobre Clarice:

"Ela está longe de ser a melhor pessoa do mundo. Mas tenho quase certeza de que é a melhor pessoa que já conheci. Afinal, o que é que essa menina tem?
Ela não se esforça pra ser legal comigo (nem com ninguém) e me trata com frieza durante quase todo o tempo. Mas quando estou a ponto de perder a paciência, lá vem ela com todo aquele charme que lhe é característico. Sou obrigado a baixar a guarda. Ela me desmonta.
Não. Eu não quero que me esqueça.
Sou Clarice. Dos pés à cabeça."

Para Marcelo: 

"A vida é engraçada. Antes de te conhecer, não me via conectada a nada. Também não enxergava nada que me prendesse a esse mundo. Não que eu esteja conectada ou presa a você, mas é bom saber que agora eu consigo ver um ponto de partida. Nunca te disse isso. E provavelmente nunca te direi. Mas eu gostaria que soubesse.
Um dia, se tudo der certo, não precisarei mais fazer essas cartas, pois serei capaz de te dizer tudo isso abertamente. Enquanto esse dia não chega, continuarei a te escrever, na esperança de que você possa se encontrar nas minhas palavras.
Não quero tuas sonatas em ré.
Marcelo, eu quero ser tua. Da cabeça ao pé."

Não ouse levantar a voz. Clarice ainda está com dor de cabeça.

Cena 2ª
Clarice, uma jovem aparentemente decidida, mas igualmente inconstante. Desiludida, visivelmente desgastada e, ainda assim, extraordinariamente deslumbrante. Simplesmente Clarice.
No momento, tudo que faz é lamentar o rumo que sua vida havia tomado. Quem a examina com cuidado, consegue notar a vermelhidão de seus olhos, que, num rosto quase tão pequeno quanto a sua vontade de existir, ganham um destaque assustador. Os cabelos compridos e acobreados contrastam com uma aparência frágil, beirando a debilidade.
Clarice traça movimentos lentos, e, com muita dificuldade, consegue se erguer da cama. Arrastando-se pelo quarto, chega até a porta. Uma voz rouca, cansada e completamente fragilizada ecoa pelo corredor, quase como em um filme de suspense, onde a personagem se encontra em uma situação traumatizante.
- Mãe, você pegou o meu cigarro?
- Não, Clarice. Procura direito que deve estar aí no seu quarto.
Clarice não se lembrava, mas tinha fumado todo o maço durante a madrugada, enquanto se martirizava por ter, novamente, entrado em conflito com Marcelo. Não era necessário ser um gênio para perceber que os dois estavam à beira da colisão. O choque ainda nem havia acontecido, e o corpo de Clarice já tinha sentido o baque, num claro prenúncio de que, àquela altura do campeonato, o impacto poderia ser fatal.
- O que você quer aí, Clarice?
- Tô procurando a vodka. Você já tomou tudo de novo?
- Clarice, eu sou rica. RICA! Eu bebo whisky, não vodka. Sua vodka tá ali do outro lado.
Em um movimento brusco, Clarice pega a garrafa de vodka e sobe as escadas em direção ao seu quarto, retraída. Uma furiosa troca de olhares abreviou o que poderia ter se tornado outra grande discussão. Clarice já não se importava com os comentários da mãe. Ela, obviamente, tinha coisas mais importantes para se preocupar. Bem mais importantes, aliás.

23h33 
Garrafa-cheia

"Marcelo, eu acho que te odeio. 

Quem é que foi que te deu a liberdade de entrar na minha cabeça e bagunçar tudo aquilo que existia dentro de mim? 

Certamente não fui eu.

Revirei todas as gavetas. Tudo que achei foram cartas e mais cartas, que eu já não sei se foram escritas para você. Vasculhei todo o meu armário, tentando, em vão, encontrar algo que pudesse funcionar como um estímulo motivacional.

Desisti."

00h06
Garrafa-meio-cheia

"Marcelo, eu provavelmente te odeio.

Às vezes fico pensando como você reagiria caso descobrisse que te escrevo com tanta frequência. Se, porventura, você entrasse no meu quarto e encontrasse todos esses pedaços de mim, que deixei espalhados pelo chão para que você não se perdesse. Ou melhor, para que você se encontrasse. 

Antes era tudo muito Clarice.

Agora é tudo meio Marcelo."

00h14
Garrafa-meio-vazia

"Marcelo, eu realmente te odeio.

Odeio seu tom sarcástico.
Odeio seu jeito debochado.
Odeio esse seu gosto por história,
e o meu gosto pela nossa história.
Odeio esse pensamento que vem,
quando vejo o piano ali na sala.
Eu te odeio de muitas formas.
Nenhuma delas é suficiente."

00h41
Garrafa-vazia

"Ahhhhh Marcelo, como eu queria te odiar."

Clarice, uma jovem desvanecida sobre a cama de cetim. Bêbada, visivelmente desgastada e, ainda assim, extraordinariamente deslumbrante. Simplesmente Clarice.

Cena 3ª
Marcelo, um jovem filosoficamente impulsivo, e politicamente inconstante. Confuso, visivelmente desgastado, e, ainda assim, extraordinariamente prático. Simplesmente Marcelo.

Preocupado com Marcelo, que há dias não aparece no colégio, Henrique decide visitá-lo depois da aula para saber o que está acontecendo, mesmo que ele já tenha ideia do que se passa com seu melhor amigo.

Henrique toca a campainha e espera pacientemente até que alguém venha atender a porta.

- Oi, Dona Natalina. O Marcelo tá por aí?
- Quanto tempo, Henrique! Sobe lá, acho que só você consegue tirar esse menino daquele quarto.

Henrique bate na porta e espera pacientemente até que Marcelo venha abri-la.
Mas ele não vem.
Henrique bate novamente.
Em vão.

O rapaz decide entrar no quarto e se depara com o caos. A impressão é de que um maremoto bagunçou todo aquele lugar. Um maremoto de informações, talvez. De informações não tão bem assimiladas.

Fotos e livros espalhados por todo o quarto.
Gavetas e armários abertos e totalmente revirados.
Latas de energético empilhadas sobre a prateleira.
Uma garrafa de whisky pela metade ajuda a decorar o ambiente.
Praticamente escondido em meio a tudo isso, está Marcelo, jogado sobre a cama. Imóvel.

Henrique decide não acordá-lo. Prefere aproveitar o momento para perscrutar o quarto e tentar entender o que se passa com seu melhor amigo. Dentro de uma das gavetas da cômoda, um papel rosado, manchado de sangue, lhe chama a atenção.

"Para Marcelo:

A vida é engraçada. Antes de te conhecer, não me via conectada a nada. Também não enxergava nada que me prendesse a esse mundo. Não que eu esteja conectada ou presa a você, mas é bom saber que agora eu consigo ver um ponto de partida. Nunca te disse isso. E provavelmente nunca direi. Mas eu gostaria que soubesse.
Um dia, se tudo der certo, não precisarei mais fazer essas cartas, pois serei capaz de te dizer tudo isso abertamente. Enquanto esse dia não chega, continuarei a te escrever, na esperança de que você possa se encontrar nas minhas palavras.
Não quero tuas sonatas em ré.
Marcelo, eu quero ser tua.
Da cabeça ao pé.

Clarice"


A lista com as últimas chamadas do celular de Marcelo era particularmente perturbadora. Durante os dois últimos dias, ele recebeu diversas ligações de Clarice. Nenhuma delas foi atendida.
Intrigado, Henrique ainda tenta olhar mais algumas coisas no celular, mas a bateria acaba logo depois. Frustrante.

Em ritmo lento, Marcelo desperta. Estranhamente, ao abrir os olhos e enxergar Henrique mexendo em suas coisas, sequer esboça reação. Um olhar desorientado e distante é prontamente confrontado por um olhar de reprovação.

- O que você tá fazendo aqui, cara?
- Você sumiu. Não dá notícias. Ninguém sabe de você. Até sua vó tá preocupada, Marcelo. Olha em volta. Te liga na zona que tá o teu quarto. O que você tá fazendo com a sua vida, cara?
- É a Clarice. Ela me desmonta.

Henrique era um bom amigo. Marcelo sabia disso.

Marcelo, um jovem impulsivamente filosófico, e musicalmente abalado. E não era para menos: seu coração havia sido demitido por justa causa.

Talvez não tão justa assim.

Ato Final
O telefone toca. Marcelo move-se vagarosamente para atendê-lo.
- Clarice? São 3h30 da manhã. O que aconteceu?
- Precisava ouvir tua voz pela última vez. Tô mal, Marcelo.

Um estranho arrepio percorre toda a extensão do corpo de Marcelo, que se levanta da cama rapidamente. Assustado, se limita a balbuciar palavras incompreensíveis. Do outro lado da linha, nenhum som é ouvido.

Marcelo se lembra de que a mãe de Clarice tinha voltado para a clínica de reabilitação, e que por isso a garota está sozinha. Ele sabe que precisa agir.
Marcelo se veste e vai de carro até a casa de Clarice, que fica há poucos quarteirões de distância. No caminho, várias coisas passam por sua cabeça.

Na casa de Clarice, o silêncio predomina. Isto é, até a chegada de Marcelo, que adentra o lugar aos berros, clamando pelo nome daquela que há meses lhe havia conquistado o coração.
O eco é grande. No entanto, nenhum som é ouvido de volta.
Marcelo, ofegante, sobe as escadas com dificuldade, ainda clamando pelo nome de Clarice.
Novamente, somente o som de sua voz é ouvido.

Ao entrar no quarto de Clarice, Marcelo percebe que a bagunça normalmente vista dera lugar a uma estranha organização. Algo não estava certo. E Clarice não estava lá.

A mente de Marcelo é pura desordem. Encurralado pelo medo, ele já não consegue mais gritar por Clarice. Um silêncio ensurdecedor toma conta do ambiente.
Os passos de Marcelo ficam mais rápidos. Ainda assim, imprecisos.

Ele passa pelo corredor, checa os outros quartos, desce as escadas novamente em direção à sala e nada. O silêncio é cada vez mais amedrontador. Nada se ouve, somente a respiração ofegante do rapaz.
Os batimentos cardíacos de Marcelo ficam mais rápidos. Ainda assim, imprecisos.

Por impulso, ele resolve checar a cozinha.

Marcelo, um jovem impulsivamente certeiro!

Em cima da mesa da cozinha, é possível observar uma garrafa de vodka meio-cheia.
Caída, ao lado da mesa, pode-se ver uma alma completamente vazia.
Ao se aproximar, Marcelo vê sangue em volta do corpo de sua amada.
Ao olhar para ela, vê uma garganta profundamente cortada.
Repousando ao lado do corpo, um estilete já bem conhecido.
Não tão longe dali, estava um papel de carta, igualmente desvanecido.

 -

Se for possível, lhes peço para que leiam a carta em voz baixa. Marcelo está com dor de cabeça.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre as nossas canções de apartamento

(Desenho por Anna Brandão)

Primeiro ensaio sobre Cícero

- Fala pra ele que a vida é um peão
"Se tu soubesses como machuca, não amaria mais ninguém."

Você chegou. Eu nem vi. Quando percebi, já estávamos rodopiando por aí, dispensando todo e qualquer tipo de sensatez. E, se por um minuto que seja, quisermos voltar ao modo sensato, é melhor sairmos perguntando por aí. De par em par.

Vê se tira esse sorriso amarelo,
e vamos partir.
(rodopiando)
De vez em quando, rumo ao castelo,
passando a vez, buscando o belo.
(vulgarizando)

Vê se te acalma, Cecília. Um dia eu te levo para ver o mundo girar de cima.

Mas só quando o Carnaval passar.

Segundo ensaio sobre Cícero

- Fala pra ele que a vida é um avião
"Se tu soubesses como machuca, me amaria mesmo assim."

Eu esqueci. Ou melhor, não percebi. Pelo interfone, era difícil manter a calma, te ouvindo sussurrar sonhos e contos, prelúdios e afagos. Por isso, não te vi entrar. Nem tive tempo de me arrumar, ou de saber o que falar. A casa agora é sua. Mas eu nem sei.

Conta pra mim,
dessa tua pressa,
do teu pesar.
Desse teu medo
ao caminhar.
Conta pra mim,
das tuas mágoas,
da tua sina.
Mas não te assusta,
porque eu te empresto
minha neblina.

Qualquer coisa é melhor que tristeza. Mas quem se importa? É sexta-feira, amor. 

Até os elefantes cegos estão sentindo o nosso amor.

Terceiro ensaio sobre Cícero

- Fala pra ele que a vida é um balão
"Se tu soubesses como machuca.... nahhhh, tu sabes."

Era tempo de pipa, mas ninguém sabia. No horizonte, só se enxergava o desalinho, criado por nós dois. E nossa pipa voou assim, por entre as árvores, no desconforto. A linha enrolou. E agora, quem é que vai desatar os nós de nós? Daqui pra já, eu e você.

Ele esqueceu,
mas foi sem querer.
É sempre sem querer.
Ele esqueceu,
da Rita Lee
ao Tom Jobim.
Chegou o fim.
Mas só pra ele,
e não pra mim.

E se eu te falar que a vida é um balão? Repare na enorme quantidade de vidas enfeitando o céu. Tem de todas as formas, de todas as cores.

É a desordem colorida.