quinta-feira, 27 de junho de 2013

Sobre Marcelo e Clarice: cena 1ª

A história a seguir é um relato sobre o amor passageiro que atordoou completamente a vida de Clarice e Marcelo. Se for possível, lhes peço para que leiam em voz baixa. Clarice está com dor de cabeça.

O telefone toca. Clarice move-se vagarosamente para atendê-lo.
- Marcelo? São 3h30 da manhã. O que aconteceu?
- Precisava ouvir tua voz. Tô mal, Clarice. 

Marcelo acorda todos os dias às 5h30 da manhã para ir à escola. Quer dizer, 5h30 é o horário em que seu despertador toca. Marcelo já está acordado bem antes desse horário. Tem sido difícil dormir com tudo que anda lhe acontecendo.
Clarice não tem um horário certo para acordar. Muitas vezes o relógio marca 15h e ela ainda está na cama, procurando motivos para se levantar (ela raramente encontra). A vida de Clarice está bagunçada. Ela está no último ano de artes cênicas, mas já não está tão animada como no começo do curso. Fora isso, sua mãe está desempregada e voltou a ter problemas com bebida (algo que, de certo modo, também acaba interferindo em sua vida).

Marcelo está no último ano do colegial. Já estamos em junho, e ele ainda não sabe o que pretende cursar na faculdade. Marcelo gosta da área de humanas. História o fascina, mas não como antes. Recentemente, ele tomou gosto pela política. Passa horas na biblioteca do colégio revirando livros sobre Geopolítica. Filosofia e Sociologia também estão entre suas matérias favoritas.
Clarice nunca se interessou pelos estudos. Cursa teatro desde pequena. Também fez cursos de inglês e alemão, mas não terminou nenhum dos dois. É no palco que ela se encontra (ou, pelo menos, se encontrava). Tem sido difícil se concentrar durante as peças. Ultimamente, Clarice nem tem frequentado as aulas.

Marcelo se interessa por literatura estrangeira, filmes e seriados. Ele vinha lendo "O retrato de Dorian Gray", obra de Oscar Wilde. No entanto, aparentemente sem motivo, optou por abandonar a leitura, já que o livro passou os dois últimos dias jogado em cima de sua cama, estranhamente aberto na página 84. Quando não está com a cabeça enfiada em um livro, se mete a assistir filmes dos mais diversos tipos, especialmente os de ficção. O download de inúmeros seriados comprometeu a memória do notebook de Marcelo. Talvez seja necessário fazer um backup. E talvez não seja só o notebook que precise de um backup...
Clarice sequer lembra do último livro que leu. Tampouco tem assistido filmes ou seriados, algo que ela costumava fazer com frequência. Televisão? Muito menos. Quando não está dormindo, ela se tranca na internet. O histórico de seu computador indica uma bizarra obsessão por serial killers e armas. Clarice inclusive possui um canivete, já desgastado, que ela usa para desferir cortes contra seu pulso. O ato de se cortar com estilete não é uma novidade para Clarice, mas tornou-se muito mais frequente com o passar do tempo.

Marcelo costumava ser um jovem muito fechado. A música o ajudou a melhorar nesse aspecto. Marcelo fez aulas de música e hoje toca piano, violão e gaita. Ele se tornou mais comunicativo, mas às vezes só consegue se expressar através da música.
Clarice não toca nenhum instrumento. Ela até tentou aprender a tocar piano quando era menor, mas desistiu rapidamente. Clarice nunca foi muito comunicativa, e tem crises de depressão. O teatro sempre foi sua zona de conforto, mas parece que isso foi perdendo efeito ao longo dos anos. Clarice também pratica o "backup": sempre quando sua memória está beirando a lotação, ela pega o seu diário e passa algumas dessas informações para lá. Esse backup resolve. Momentaneamente.

Os pais de Marcelo morreram em um acidente de carro quando ele ainda era pequeno; com isso, Marcelo foi criado por seus avós maternos. Seu avô faleceu há alguns anos, e hoje a avó de Marcelo é tudo que lhe resta. Marcelo tem uma afeição enorme por sua avó, e faz de tudo para vê-la feliz. Sua avó também faz de tudo por ele, mas não consegue vê-lo feliz pois perdeu a visão em um trágico incidente com gás de cozinha. Mas ela sente a felicidade do neto. Ou melhor, sentia. Marcelo não anda feliz.
Clarice não sabe, mas foi vítima de um estupro. Sua mãe pensou em abortá-la por diversas vezes, mas não conseguiu. Isso explica a falta de carinho da mãe para com a filha. Isso também explica o porquê de a mãe de Clarice ter se refugiado no alcoolismo. Hoje, ela é uma mulher de meia idade, que passa a maior parte do tempo na sala de casa, bêbada, tentando, em vão, recuperar o amor da filha. Pena que elas só tenham uma a outra.

Marcelo está louco para completar 18 anos e tirar carteira de motorista. Desde que o avô faleceu, o carro continua na garagem, intacto, sendo observado diariamente por Marcelo, que não vê a hora de dirigi-lo. 
Clarice tem carteira de motorista há três anos, mas nunca dirigiu um carro. Ela sequer tem interesse em dirigir; só tirou a carta devido à pressão imposta por sua mãe, que prontamente lhe deu um carro de presente. O carro ainda está lá, imóvel, empoeirado pelo tempo.

Sobre Clarice:

"Ela está longe de ser a melhor pessoa do mundo. Mas tenho quase certeza de que é a melhor pessoa que já conheci. Afinal, o que é que essa menina tem?
Ela não se esforça pra ser legal comigo (nem com ninguém) e me trata com frieza durante quase todo o tempo. Mas quando estou a ponto de perder a paciência, lá vem ela com todo aquele charme que lhe é característico. Sou obrigado a baixar a guarda. Ela me desmonta.
Não. Eu não quero que me esqueça.
Sou Clarice. Do pé à cabeça."

Para Marcelo: 

"A vida é engraçada. Antes de te conhecer, não me via conectada a nada. Também não enxergava nada que me prendesse a esse mundo. Não que eu esteja conectada ou presa a você, mas é bom saber que agora eu consigo ver um ponto de partida. Nunca te disse isso. E provavelmente nunca te direi. Mas eu gostaria que soubesse.
Um dia, se tudo der certo, não precisarei mais fazer essas cartas, pois serei capaz de te dizer tudo isso abertamente. Enquanto esse dia não chega, continuarei a te escrever, na esperança de que você possa se encontrar nas minhas palavras.
Não quero tuas sonatas em ré.
Marcelo, eu quero ser tua. Da cabeça ao pé."

Não ouse levantar a voz. Clarice ainda está com dor de cabeça.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sobre tudo aquilo que precisava ser dito

Bah, acordei mal. Preciso que me prometas algo.

Seu temperamento inconstante tem me incomodado. Afinal, por que andas me tratando com tanta frieza? E porra, logo agora que eu finalmente estava me sentindo seguro. Logo agora que tudo parecia caminhar tão bem. (Hoje eu não quero que digas nada.)

Naufragamos. Justamente no instante em que nosso barco se aproximava da maré baixa. Bah, mas que merda. Por isso tenho recorrido à cafeína com tanta frequência; pena que tudo isso represente um precipício. Não demorará muito para que eu despenque e me afogue na tua xícara de café. Espero que não te afogues também. (Teu silêncio já me incomoda.)

Eu sei que está tudo errado. Mas o que esperas que eu faça? A coisa já saiu do controle faz tempo. Não me abandona agora, guria. Acabei de acender o cigarro. Ainda temos um maço inteiro pela frente. Não te preocupas, vou continuar a fingir que está tudo bem. (Acho que vou te ligar.)

Lembra quando falávamos sobre nossas bandas preferidas e passávamos horas a fio divagando sobre isso? Ou então quando discutíamos sobre assuntos dos quais nem me lembro agora, mas em questão de segundos já estávamos falando de coisas completamente diferentes? Éramos alheios a tudo e nem nos importávamos. Estava tudo certo. (Porra, por que não me atendes?)

Não te assusta agora, guria. Ainda preciso que me prometas algo.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Textos Aleatórios: Sobre protestos e reclamações

"Na última segunda-feira (17/6), marquei presença no 5º Grande Ato contra o aumento do preço das passagens, em São Paulo. Estava cansado de me informar a respeito dos protestos apenas pela TV e pela Internet, e por isso me dispus a acompanhar as manifestações pessoalmente, participando ativamente do protesto.

O cenário que presenciei era completamente diferente daquele visto na quinta-feira da outra semana (13/6), onde a violência e os confrontos entre policiais e manifestantes tomou conta dos noticiários - confrontos iniciados pelos policiais, diga-se de passagem. O que vi, foi uma manifestação pacífica e LINDA. Tava bonita, a coisa! Gritos de "Não é Turquia, não é a Grécia. É o Brasil saindo da Inércia" emanavam de uma multidão que, unida, caminhava e desbravava as ruas de uma cidade tomada pelo espírito nacionalista.

Em meio a tudo isso, percebi que algo não estava certo. Minha câmera fotográfica, que estava dentro da minha mochila, tinha sido roubada. Para mim, a manifestação acabava ali. A sensação de ser furtado em meio a um ato que visa a melhoria do país é indescritível. Mas o pior ainda estava por vir: quando me aproximei de um dos PMs que observava a manifestação de longe, para relatar o que tinha acabado de acontecer, fui xingado e humilhado na frente dos outros manifestantes, que, incrédulos, acompanhavam tudo.  Assim que contei o que havia acontecido, o PM em questão - o qual, no calor do momento, não consegui identificar - proferiu as seguintes palavras: "Você é moleque. Vândalo. Arruaceiro. Vai pedir ajuda pros seus amiguinhos de baderna." Ele disse tudo isso enquanto empunhava o dedo indicador em direção ao meu rosto, com expressão intimidadora.

Como proceder quando um oficial que deveria estar ali para zelar pela sua segurança age desta forma? Sinceramente? Não sei. Mas vou tentar descrever a sensação pra vocês: é uma mistura de raiva, impotência e perplexidade. Não queiram sentir isso. É humilhante."

Relato de Leonardo, amigo meu, que esteve presente nas manifestações que aconteceram na tarde de ontem, em SP.

A atitude do PM em questão foi um fato isolado? Não! Nem precisei procurar muito para ver outros manifestantes reclamando da atitude dos policiais, que desta vez não agiram com violência, mas, por muitas vezes, fizeram pouco caso e até mesmo chegaram a zombar de manifestantes que vinham pedir informações. Afinal, pra que tudo isso?

Ainda falando sobre o protesto, é válido mencionar que a imensa maioria dos manifestantes está lá com conhecimento de causa. Mas, destoando dessa maioria, percebe-se um número alarmante de pessoas que estão lá para manchar a causa do movimento. Outro número alarmante é o de pessoas que ainda pensam que tudo isso gira unica e exclusivamente em torno da questão dos 20 centavos. Lamentável.

A revolução, meus caros, apenas começou. Eu, se fosse governante, temeria, pois o gigante acordou.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Textos Aleatórios: Sobre a moeda de 25 centavos

Senhoras e senhores, hoje, no caminho de volta para casa, encontrei uma moeda de 25 centavos. Ela estava bem perto da junção que separa a rua da calçada; mais alguns centímetros e ela provavelmente se perderia pela rua. O mais curioso é que ela estava "em pé", praticamente implorando para que alguém a pegasse, mas as pessoas estavam ocupadas demais - ou meramente desatentas - para voltarem os seus olhos para uma simples moeda de 25 centavos, já sem brilho e desgastada pelo tempo, afinal, ela circula incessantemente desde 1995 (sim, essa é uma daquelas moedas prateadas mais antigas). Desde 1995, amigos. Pelo menos 17 anos de "história para contar".

Com essa moeda de 25 centavos eu poderia fazer uma porção de coisas. Eu poderia comprar um pirulito de coração ou até mesmo colocá-la em uma dessas "vending machine", em troca de balas ou quem sabe uma daquelas bolinhas que pingam sem parar. Com mais uma moeda de 25 centavos, eu poderia comprar uma unidade do meu chocolate preferido (twix) ou talvez uma esfiha em uma casa de salgados qualquer. Com mais algumas moedas de 25 centavos, minhas aquisições poderiam ser ainda maiores. E é aí que eu queria chegar.

(As "vending machine". Infância: to com saudade.)


Recentemente, o Governo de São Paulo aumentou o preço da passagem do transporte coletivo. Agora, para usufruirmos da qualidade excepcional dos ônibus, trens e metrôs do estado, temos de arcar com a bagatela de R$ 3,20. Um aumento de 20 centavos com relação ao preço anterior. Meros 20 centavos, que, em uma análise rápida, parecem fazer pouquíssima diferença no bolso do paulistano - que, de tão apressado, caminha pelas ruas e passa pela moeda de 25 centavos sem ao menos notá-la. Alguns até a notam, porém sem dar a menor importância, afinal, são apenas 25 centavos.

Analisando com mais calma, é possível observar que esses 20 centavos de aumento fazem diferença SIM. (Aliás, o que mais me incomoda não é nem o aumento, mas sim a relação custo-benefício. É o conflito entre os R$ 3,20 e o transporte precário que nos é oferecido.) Deixando um pouco de lado a individualidade que nos é tão característica, fica claro que esses 20 centavos, multiplicados pelos milhões de usuários do transporte público, gerarão um aumento absurdo no lucro do governo. Dinheiro que será investido onde? Na educação de qualidade ou na saúde? Ou será que usarão esse dinheiro para continuar dando o preparo necessário para a Polícia Militar, que vem demonstrando total controle emocional no confronto com os manifestantes?

(Policial Militar, altamente preparado e com expressão pacificadora, zelando pelo bem da população.)


Os números exemplificam o que estou dizendo.

Metrô - 4,5 milhões usuários POR DIA

4,5 milhões x 0,20 centavos
Dia = R$ 900.000,00 
Mês = R$ 19.503.000,00
Ano = R$ 234.036.000,00 (260 DIAS ÚTEIS)

Ônibus - 6 milhões de usuários POR DIA

6 milhões x 0,20 centavos
Dia =  R$ 1.200.000,00
Mês = R$ 26.004.000,00
Ano = R$ 312.048.000,00 (260 DIAS ÚTEIS)

CPTM - 2,3 milhões usuários POR DIA

2,3 milhões x 0,20 centavos
Dia =  R$ 460.000,00
Mês = R$ 9.968.200,00 MILHÕES
Ano = R$ 119.618.400,00 (260 DIAS ÚTEIS)

Um total de R$ 665.702.400,00 anuais. Lembra da moeda de 25 centavos que citei no começo do post? Então, são milhões e milhões dessas moedas na mão do governo. E você aí, dizendo que "são só 20 centavos".

Brasil, um país de todos.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Sobre o transtorno obsessivo-compulsivo

Antes de escrever qualquer outra coisa, acho válido mencionar que sofro do clássico transtorno obsessivo-compulsivo. Sim, sou fanático por simetrias e tenho mania de organização. Talvez seja por isso que hoje me encontro neste estado depressivo-reflexivo, meses depois de você ter aparecido na minha vida e bagunçado drasticamente tudo aquilo que existia dentro de mim.

Irônico é lembrar do dia em que nos conhecemos; o dia em que achei que minha vida finalmente estava em ordem. Mas não. Logo os pensamentos assimétricos começaram a eclodir e tudo foi por água abaixo. Nem mesmo tivemos tempo de nos despedir. Quase tão trágico quanto a desordem emocional que logo se estabeleceu por aqui.

Quem nos avistava de longe - hora sentados na mesa tomando café, hora deitados na grama olhando para as estrelas - logo deduzia que caminhávamos lado a lado, com sentimentos alinhados e concisos. Quem nos observava diariamente, entretanto, sabia que nossos sentimentos não eram paralelos. Talvez, analisando friamente, seja possível afirmar que eles nunca estiveram paralelos, mesmo quando pareciam caminhar em harmonia.

Hoje me questionaram a respeito de uma possível recaída. Bem, quem fez essa pergunta não questionava a possibilidade de uma recaída amorosa, mas sim a possibilidade da minha compulsividade por ti voltar à tona. Não é estranho saber que ainda não tenho uma resposta para isso. Estranho seria se eu não quisesse me enforcar com o cadarço do teu all star azul.