quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sobre Marcelo e Clarice: ato final



O telefone toca. Marcelo move-se vagarosamente para atendê-lo.
- Clarice? São 3h30 da manhã. O que aconteceu?
- Precisava ouvir tua voz pela última vez. Tô mal, Marcelo.

Um estranho arrepio percorre toda a extensão do corpo de Marcelo, que se levanta da cama rapidamente. Assustado, ele se limita a balbuciar palavras incompreensíveis. Do outro lado da linha, nenhum som é ouvido.

Marcelo se lembra de que a mãe de Clarice tinha voltado para a clínica de reabilitação, e que por isso Clarice está sozinha. Ele sabe que precisa agir.
Marcelo se veste e vai de carro até a casa de Clarice, que fica há poucos quarteirões de distância. No caminho, várias coisas passam por sua cabeça.

Na casa de Clarice, o silêncio predomina. Isto é, até a chegada de Marcelo, que adentra o lugar aos berros, clamando pelo nome daquela que há meses lhe havia conquistado o coração.
O eco é grande. No entanto, nenhum som é ouvido de volta.
Marcelo, ofegante, sobe as escadas com dificuldade, ainda clamando pelo nome de Clarice.
Novamente, somente o som de sua voz é ouvido.

Ao entrar no quarto de Clarice, Marcelo percebe que a bagunça normalmente vista deu lugar a uma estranha organização. Algo não estava certo. E Clarice não estava lá.

A mente de Marcelo é pura desordem. Encurralado pelo medo, ele já não consegue mais gritar por Clarice. Um silêncio ensurdecedor toma conta do ambiente.
Os passos de Marcelo ficam mais rápidos. Ainda assim, imprecisos.

Ele passa pelo corredor, checa os outros quartos, desce as escadas novamente em direção à sala e nada. O silêncio é cada vez mais amedrontador. Nada se ouve, somente a respiração ofegante de Marcelo.
Seus batimentos cardíacos ficam mais rápidos. Ainda assim, imprecisos.

Por impulso, Marcelo resolve checar a cozinha.

Marcelo, um jovem impulsivamente certeiro!

Em cima da mesa da cozinha, é possível observar uma garrafa de vodka meio-cheia.
Caída, ao lado da mesa, é possível observar uma alma completamente vazia.
Ao se aproximar, Marcelo vê sangue em volta do corpo de sua amada.
Ao olhar para ela, vê uma garganta profundamente cortada.
Repousando ao lado do corpo, um canivete já bem conhecido.
Não tão longe dali, estava um papel de carta, igualmente desvanecido.
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Se for possível, lhes peço para que leiam a carta em voz baixa. Marcelo está com dor de cabeça.

"Para Marcelo:

Hipoteticamente falando, talvez eu esteja lhe escrevendo em tom de despedida. Quem sabe não seja melhor assim?
Ainda não sei o que te dizer. Ou mesmo se quero te dizer algo. Minha mente anda confusa ultimamente, analisando as ínfimas possibilidades de toda essa loucura prosperar. Mas, de forma hipotética, digamos que definitivamente vai ser melhor assim.
Quem sabe, hipoteticamente, nossa loucura ainda prosperará. De fato, acho que vai prosperar.

Mas talvez seja só eu.
 Clarice"

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Sobre todas as músicas do Two Door Cinema Club

O espetáculo começou às 20h em ponto. Nossa troca de olhares, todavia, tinha começado bem antes disso. Durante todo o tempo, eu a encarava com a sensação de que já a conhecia há muito tempo. E ela provavelmente percebeu isso. Mas eu não podia evitar. Em alguns momentos, ela parecia incomodada com o meu olhar intenso. Pudera! Eu a observava tal qual uma leoa espreita a manada de búfalos antes de um eventual ataque. Neste caso, minhas intenções com a moça eram bem diferentes.

No palco, atores contracenavam com a maestria que lhes é característica. Na minha cabeça, as cenas eram outras. Tudo que eu pude fazer foi observar enquanto ela mantinha os olhos grudados no palco - ocasionalmente virando para o lado para ver se eu ainda a observava. Confesso que estes eram os momentos mais aguardados do "espetáculo" que se passava pela minha cabeça. Ela era magnífica. E eu já a conhecia, definitivamente.

Ela usava um vestido cinza, acompanhado de uma meia-calça preta. Seus cabelos compridos e escuros balançavam conforme a música. Ela era a mais bela canção do álbum, sem dúvida. E foi aí que tive certeza de que já a conhecia. Boa parte das músicas do Two Door Cinema Club foram escritas para ela. Ela era a protagonista. "Eat That Up, It's Good For You", "You're Not Stubborn", "Impatience is a Virtue" e "Something Good Can Work" foram feitas para ela. E a descrevem com uma melodia tragicamente bem elaborada. Exatamente como devia ser.

Conforme o tempo passava, mais adrenalina era adicionada ao ambiente. Minhas mãos transpiravam continuamente. Mas isso pouco importava. A noite era dela. Tudo ali era sobre ela. 

Na minha cabeça, era sobre como eu me sentia em relação a ela. E sobre como terminaríamos a noite. 

Fumando cigarros no teatro.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Sobre Marcelo e Clarice: cena 3ª

Cena 1ª
Cena 2ª

Marcelo, um jovem filosoficamente impulsivo, e politicamente inconstante. Confuso, visivelmente desgastado, e, ainda assim, extraordinariamente prático. Simplesmente Marcelo.

Preocupado com Marcelo, que há dias não aparece no colégio, Henrique decide visitá-lo depois da aula para saber o que está acontecendo, mesmo que ele já tenha ideia do que se passa com seu melhor amigo.

Henrique toca a campainha e espera pacientemente até que alguém venha atender a porta.

- Oi, Dona Natalina. O Marcelo tá por aí?
- Quanto tempo, Henrique! Sobe lá, acho que só você consegue tirar o Marcelo daquele quarto.

Henrique bate na porta e espera pacientemente até que Marcelo venha abri-la.
Mas ele não vem.
Henrique bate novamente.
Em vão.

Henrique decide entrar no quarto, e se depara com o caos. A impressão é de que um maremoto bagunçou todo aquele lugar. Um maremoto de informações, talvez. De informações não tão bem assimiladas.

Fotos e livros espalhados por todo o quarto.
Gavetas e armários abertos e totalmente revirados.
Latas de energético empilhadas sobre a prateleira.
Uma garrafa de whisky pela metade ajuda a decorar o ambiente.
Praticamente escondido em meio a tudo isso, está Marcelo, jogado sobre a cama. Imóvel.

Henrique decide não acordá-lo. Prefere aproveitar o momento para perscrutar o quarto e tentar entender o que se passa com seu melhor amigo. Dentro de uma das gavetas da cômoda, um papel rosado, manchado de sangue, lhe chama a atenção.

"Para Marcelo:

A vida é engraçada. Antes de te conhecer, não me via conectada a nada. Também não enxergava nada que me prendesse a esse mundo. Não que eu esteja conectada ou presa a você, mas é bom saber que agora eu consigo ver um ponto de partida. Nunca te disse isso. E provavelmente nunca direi. Mas eu gostaria que soubesse.
Um dia, se tudo der certo, não precisarei mais fazer essas cartas, pois serei capaz de te dizer tudo isso abertamente. Enquanto esse dia não chega, continuarei a te escrever, na esperança de que você possa se encontrar nas minhas palavras.
Não quero tuas sonatas em ré.
Marcelo, eu quero ser tua.
Da cabeça ao pé.

Clarice"


A lista com as últimas chamadas do celular de Marcelo era particularmente perturbadora. Durante os dois últimos dias, ele recebeu diversas ligações de Clarice. Nenhuma delas foi atendida.
Intrigado, Henrique ainda tenta olhar mais algumas coisas no celular, mas a bateria acaba logo depois. Frustrante.

Em ritmo lento, Marcelo desperta. Estranhamente, ao abrir os olhos e enxergar Henrique mexendo em suas coisas, sequer esboça reação. Um olhar desorientado e distante é prontamente confrontado por um olhar de reprovação.

- O que você tá fazendo aqui, cara?
- Você sumiu. Não dá notícias. Ninguém sabe de você. Até sua vó tá preocupada, Marcelo. 
   Olha em volta. Te liga na zona que tá o teu quarto. O que você tá fazendo com a sua vida, cara?
- É a Clarice. Ela me desmonta.

Henrique era um bom amigo. Marcelo sabia disso.

Marcelo, um jovem impulsivamente filosófico, e musicalmente abalado. E não era para menos: seu coração havia sido demitido por justa causa.

Talvez não tão justa assim.

domingo, 7 de julho de 2013

Textos Aleatórios: Sobre o dia mais legal do ano

Sorte é questão de coincidência. Coincidir de você estar presente no lugar certo na hora certa.
The Secret 

Nada poderia definir melhor o momento do que a frase acima. A noite de sexta para sábado foi baseada nisso: coincidências e "sorte".

Tudo começou com uma promoção que fez com que meu amigo ganhasse um par de ingressos para assistir ao show do "Brothers of Brazil". "Porra, que merda", vocês pensaram. Sim, eu também pensei isso. Mas esse foi o ponto chave que desencadeou todos os acontecimentos do final de semana. Um show do Brothers of Brazil. Pois é, amigos.

Meu amigo não tinha companhia para ir ao show - por motivos óbvios - e eu me solidarizei a ir com ele. O show aconteceria no Inferno Club, na Rua Augusta, durante a madrugada de sexta para sábado. Aí entra a coincidência: esse foi justamente o dia em que o pessoal do "Pierce the Veil" chegou em São Paulo.

Não, eu não ouço Pierce the Veil. Nunca nem ouvi a banda. Mas eles estavam em São Paulo, e meus amigos sabiam onde se localizava o hotel. E onde era o hotel? Justamente numa rua paralela à Augusta, onde eu iria assistir ao show do Brothers of Brazil. Coincidiu perfeitamente!

(Nunca pensei que Brothers of Brazil seria citado neste blog)

Fomos mais cedo para a Paulista, e a ideia era enrolar lá no hotel até a hora do show do Brothers, mas logo descobrimos que estávamos no hotel errado. Porra! "Ok, tanto faz, a gente enrola em algum outro lugar até dar o horário do show", pensei. Mas o pessoal do Pierce the Veil estava programado para dar uma entrevista na 89 FM, a "Rádio Rock". E onde fica a 89? Na esquina da Augusta com a Paulista. Coincidência 2.

Ficamos ali em frente ao estacionamento da rádio, em meio a alguns fãs escandalosos da banda, esperando até a hora de eles aparecerem. Não demorou muito e eles chegaram, entrando rapidamente na rádio, sem dar muita moral pra galera que tava ali. "Na volta eles falam", dizia o cara da produção. Continuamos por ali, esperando o programa terminar e a banda descer para falar com o povo. Alguns dos meus amigos realmente gostam da banda, e queriam conhecer os caras, mas eu estava naquela do "tanto faz", afinal eu só estava ali devido às coincidências da vida, que prepararam um show do Brothers of Brazil no mesmo dia em que o Pierce the Veil chegaria em São Paulo.

Bom, os caras da banda deixaram a rádio pela saída da frente - onde nós não estávamos - e foram para o hotel. Mas o que ninguém imaginava é que os caras iriam da rádio para o hotel ANDANDO. Sim, eles foram a pé, e a galera obviamente os seguiu até lá. Dentro de uns minutos lá estávamos nós, em frente ao hotel, esperando a banda, que já tinha subido. E ainda era 21h30. As portas do Inferno só abririam 00h, ou seja, nós ainda tínhamos um bom tempo para esperar.

Conversando com uns fãs na porta do hotel, ouvi boatos de que o "Dave" tinha sido roubado, e que esse "Dave" não era membro da banda, mas sim um guitar-tech. Até aí ok. Depois de um tempo, o Mike desceu, tirou fotos com o pessoal e conversou por uns minutos. Logo depois ele saiu de táxi com umas groupies que o aguardavam no saguão do hotel. Eram tantas minas que foram necessários dois táxis para levar a galera toda. (Pela manhã elas retornaram comentando - bem alto - sobre o quão boa tinha sido a noite. Minha única reação foi ficar triste pelo Mike, pois as minas eram tão bonitas quanto uma cabrita desmamada durante trabalho de parto.)


(Uma das groupies que aguardavam o Mike no saguão do hotel)

Continuamos em frente ao hotel conversando, afinal ainda faltava muito tempo até o show do Brothers. Já estava tarde, e até o pessoal da Liberation já tinha vazado do hotel, avisando que a galera da banda não desceria durante a noite. E eles não desceram mesmo. O único a descer foi o tal Dave, que tinha sido roubado no aeroporto, logo que a banda chegou em São Paulo. Aí surge a maior coincidência da vida: o tal Dave, guitar-tech do Pierce the Veil, era o mesmo Dave que fazia guitar-tech para o The Maine durante a primeira passagem da banda pelo Brasil, em 2011!!!!!!!!!!!! Completamente inacreditável. Quem iria imaginar? E tava triste, o tal Dave. Ele carregava a roupa do corpo, um maço de cigarros - que foi comprado pelos fãs momentos antes - seu celular e seu passaporte. Todo o resto lhe havia sido roubado: mais de quatro mil dólares em dinheiro, iPad e notebook que continham fotos de tour que ele guardava há mais de dez anos, além de outras coisas. O Dave era a tristeza em pessoa, mas nem assim deixou de ser o cara simpático que fez com que vários fãs de The Maine se apaixonassem em 2011.

Conversando um pouco com o Dave, descobri algumas coisas interessantes:
- o Dave contou que ele já foi guitar-tech do We The Kings, do Taking Back Sunday e do Nevershoutnever, além de ter trabalhado para o The Maine e estar trabalhando com o Pierce the Veil;
- ele mora bem perto de Joplin, e por isso é bem amigo do pessoal do Nevershoutnever. Segundo ele, o Christofer sabe ser bem legal quando não está sob o efeito de drogas. Ele também disse que o Caleb é um gênio da música;
- o pessoal do Falling in Reverse é um saco;
- o Dave é MUITO amigo da galera do All Time Low. Ele disse que é secretamente apaixonado pelo Rian, e que o Rian é uma das melhores pessoas que ele já conheceu.

Sobre The Maine, o Dave fez questão de falar bem do Luciano, que fez a segurança deles durante as passagens pelo Brasil. Também disse que o Dirk é um cara sensacional, e que o Matt e o Larry não trabalham mais para a banda. Ele me perguntou qual dos shows eu tinha preferido, e quando eu disse ter preferido o de 2011, ele logo emendou dizendo que aquele show foi um dos maiores que ele fez com o The Maine, e que o John ficou comentando sobre isso durante os dias seguintes. O Dave também revelou algo interessante sobre o John. Tão interessante que vou manter o diálogo original:

Eu: "Dave, do you think John is gay?"
Dave, aos risos: "Man, John is DEFINITELY not gay."
Eu, sem acreditar: "Oh, c'mon. I always thought John was gay."
Dave: "Oh man, one thing I can ensure: John is not gay. He loves women. He loves women and whiskey."

Fiquei atordoado com a informação, pois sempre tive dúvidas sobre a sexualidade do John. O Dave também contou que o John faz questão de não ser visto com ninguém, porque ele acha que isso não seria bom para ele nem para a banda. Ele disse que o John é bem reservado com relação a essas coisas, mas que ele tinha 100% de certeza de que o John é hétero.

(Minha reação ao descobrir que este rapaz é hétero)

Convidamos o Dave para ir ao show do Brothers of Brazil com a gente, mas ele ainda estava triste com tudo o que tinha acontecido, e nem quis sair do hotel. Quando notei o horário, vi que já passava da meia-noite. O Dave foi jantar no hotel, nós nos despedimos e partimos rumo ao show. Confesso que pensei que nessa hora a noite começaria a ficar ruim, mas até que não. O show do Brothers of Brazil foi bem legal. A parte ruim foi o frio que passamos depois do show, pois decidimos que iríamos voltar para o hotel para esperar o resto da banda. (Eu voltei pois queria tirar uma foto com o Dave para registrar a maior coincidência da noite.)

Eram 4h30 da manhã, tava escuro e eu tava morrendo de sono. Mas a foto com o Dave tinha virado questão de honra. Comemos em uma padaria e enrolamos no Conjunto Nacional até mais ou menos umas 8h da manhã. Dai voltamos para o hotel.

Conforme o tempo foi passando, foi chegando uma boa galera pra ver a banda, inclusive umas meninas muito legais - e gatas! - que foram as responsáveis por eu não morrer de fome durante aquela manhã. O Dave apareceu e eu finalmente consegui minha foto. A noite tinha mais do que valido a pena. Mas nós continuamos por lá.

A galera da banda só saiu do hotel por volta de umas 15h, e foi bem rápido, pois os caras tavam indo direto pro show. Meus amigos conseguiram as fotos, e a felicidade reinava no ambiente. Para quem tinha saído de casa esperando ir a um show sem graça do Brothers of Brazil, a noite tinha mais do que valido a pena! Preciso dizer que eu tava feliz pra caralho. Nem parecia que eu estava sem dormir há quase 24h. O sentimento era o melhor possível, e já era hora de deixar o hotel.

(Eu ao sair do hotel. Só felicidade)

Pegando o metrô de volta para casa, me deparei com uma ruiva tão linda, mas tão linda, mas tão linda, que........ eu nem acreditava. E eu tava com tanto sono que até esfreguei os olhos algumas vezes para ver se ela era mesmo real. E era! Ela usava uma camiseta rasgada dos Beatles, uma calça vinho e um coturno preto. Era linda. Mesmo.

Fiquei naquele romance de metrô com ela, trocando uns olhares - sim, era uma troca de olhares: ela olhava de volta - e tentando não me apaixonar nem dormir. Só consegui a primeira opção. Não sei por quanto tempo eu cochilei, mas quando acordei ela ainda estava lá, sendo linda. Uns minutos depois, o telefone dela tocou. A música? "I can Talk", do Two Door Cinema Club. 

Dias como esse precisam acontecer mais vezes.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Sobre Marcelo e Clarice: cena 2ª


Clarice, uma jovem aparentemente decidida, mas igualmente inconstante. Desiludida, visivelmente desgastada e, ainda assim, extraordinariamente deslumbrante. Simplesmente Clarice.
No momento, tudo que faz é lamentar o rumo que sua vida havia tomado. Quem a examina com cuidado, consegue notar a vermelhidão de seus olhos, que, num rosto quase tão pequeno quanto a sua vontade de existir, ganham um destaque assustador. Os cabelos compridos e acobreados contrastam com uma aparência frágil, beirando a debilidade.
Clarice traça movimentos lentos, e, com muita dificuldade, consegue se erguer da cama. Arrastando-se pelo quarto, chega até a porta. Uma voz rouca, cansada e completamente fragilizada ecoa pelo corredor, quase como em um filme de suspense, onde a personagem se encontra em uma situação traumatizante.
- Mãe, você pegou o meu cigarro?
- Não, Clarice. Procura direito que deve estar aí no seu quarto.
Clarice não se lembrava, mas tinha fumado todo o maço durante a madrugada, enquanto se martirizava por ter, novamente, entrado em conflito com Marcelo. Não era necessário ser um gênio para perceber que os dois estavam à beira da colisão. O choque ainda nem havia acontecido, e o corpo de Clarice já havia sentido o baque, num claro prenúncio de que, àquela altura do campeonato, o impacto poderia ser fatal.
- O que você quer aí, Clarice?
- Tô procurando a vodka. Você já tomou tudo de novo?
- Clarice, eu sou rica. RICA! Eu bebo whisky, não vodka. Sua vodka tá ali do outro lado.
Em um movimento brusco, Clarice pega a garrafa de vodka e sobe as escadas em direção ao seu quarto, retraída. Uma furiosa troca de olhares abreviou o que poderia ter se tornado outra grande discussão. Clarice já não se importava com os comentários da mãe. Ela, obviamente, tinha coisas mais importantes para se preocupar. Bem mais importantes, aliás.

23h33 
Garrafa-cheia

"Marcelo, eu acho que te odeio. 

Quem é que foi que te deu a liberdade de entrar na minha cabeça e bagunçar tudo aquilo que existia dentro de mim? 

Certamente não fui eu.

Revirei todas as gavetas. Tudo que achei foram cartas e mais cartas, que eu já não sei se foram escritas para você. Vasculhei todo o meu armário, tentando, em vão, encontrar algo que pudesse funcionar como um estímulo motivacional.

Desisti."

00h06
Garrafa-meio-cheia

"Marcelo, eu provavelmente te odeio.

Às vezes fico pensando como você reagiria caso descobrisse que te escrevo com tanta frequência. Se, porventura, você entrasse no meu quarto e encontrasse todos esses pedaços de mim, que deixei espalhados pelo chão para que você não se perdesse. Ou melhor, para que você se encontrasse. 

Antes era tudo muito Clarice.

Agora é tudo meio Marcelo."

00h14
Garrafa-meio-vazia

"Marcelo, eu realmente te odeio.

Odeio seu tom sarcástico.
Odeio seu jeito debochado.
Odeio esse seu gosto por história,
e o meu gosto pela nossa história.
Odeio esse pensamento que vem,
quando vejo o piano ali na sala.
Eu te odeio de muitas formas.
Nenhuma delas é suficiente."

00h41
Garrafa-vazia

"Ahhhhh Marcelo, como eu queria te odiar."

Clarice, uma jovem desvanecida sobre a cama de cetim. Bêbada, visivelmente desgastada e, ainda assim, extraordinariamente deslumbrante. Simplesmente Clarice.